sábado, 17 de julho de 2010

Embora lateje louca nos dias de chuva.

Então no meio de sua rotina pacata e sem sentido ela despencou. Sentiu uma dor no peito que não sabia explicar, e o agarrou em vão para que parasse de doer.

Não pararia. Sempre doeu. Era um dor que ela escondia por trás de suas palavras vagas, seus gestos tímidos, latejava dentro de uma caixa dura e fria que ela mesma fez dentro de si.

Alimentou essa dor com os mais requintados dos sentimentos. Fez-la beber dos mais nobres licores dos tempos. E ela assim cresceu.

Um dia esta dor estava maior que ela própria. Doeu tanto que a fez despencar no meio de um café e outro da sua rotina pacata.

Depois de alguns segundos iniciais de apreensão, ela foi procurar um médico, que nada mais era do que seu espelho de casa.

Diagnosticou-se como sendo portadora de saudade.

O tratamento? meia hora de choro compulsivo por dia estirada na cama, com os braços desfalecidos pra um lado, a cabeça afundada no travesseiro.

Uma música triste pra estimular o exercício.

Um quarto em penumbra.

Nos finais de semana, uma garrafa de bebida forte.

O analista, que desta fez seria o teto do quarto ou alguma forma imaginária sentada do lado esquerdo de sua cama perguntaria:

De onde vem esta saudade?

E ela com os olhos confusos de sempre diria que era de tudo: de seres, de cheiros, de sabores, do toque despercebido em alguma forma macia, de um olhar qualquer no ônibus que passou em algum tempo, de um latido, de um colo, dos prazeres tolos e bons.

Voltou-se ao espelho- cabe aqui dizer que nem sempre é um bom médico, porque só diagnostica o que está por fora- limpou os olhos borrados de rímel, mecanicamente ajeitou o cabelo.

Antes de sair, pegou uma fotografia qualquer de um tempo passado qualquer. De longe ela não significava o que sentia. Mesmo assim- num gesto cinematográfico- passou a mão por aquelas formas estáticas gravadas em um papel.

Saiu para continuar o dia, sem antes notar que o chão estava sujo.

Tinha vomitado.

Vomitado nostalgia.


"Se tens um coração de ferro, bom proveito.
O meu, fizeram-no de carne, e sangra todo dia".

(Saramago)

sábado, 3 de julho de 2010

Bonsai.


De repente, num sobressalto na madrugada, resolvi que iria embora.

Acordei meu namorado e comecei a fazer a minha mala, enquanto ele, ainda torpe de sono, me olhava sem entender.

Algumas mudas de roupas. Alguns livros que esperam as sempre adiadas férias para serem degustados. As fotos da família penduradas no roupeiro.

Combinei que encontraria meu namorado em 2 horas na estação rodoviária pra que ele também pudesse selecionar seus pertences para essa minha decisão repentina, porém sempre sonhada e idealizada em meus mais belos sonhos.

Estava na hora de mudar.

Pegamos um ônibus pra qualquer lugar, desde que fosse longe e isolado de tudo.

A cidade era pequena. Uma praça, um pequeno mercado, algum comércio variado e uma pensão que ficaríamos por alguns dias até encontrarmos uma casa pra alugar.

Não me lembro direito de como foi o primeiro dia que nos mudamos. Lembro só da sensação dos meus pés na grama molhada da manhã. Era uma mistura de felicidade exarcebada com uma intensa vontade de gritar.

Era a sensação de estar viva, sabe? Sensação de que estamos de fato pertencendo a um mundo que não é cinza nem sujo nem fétido. Sensação de amparar os pés aonde eles sempre deveriam estar, porque estes pés não foram feitos pro asfalto, assim como essas narinas, que foram feitas pro ar puro, esses olhos pro colorido das formas e esses cabelos pro vento que bate. Os sentidos aguçados para as coisas que pulsam não para as coisas estáticas, estéticas, estúpidas.

....


Tocou o despertador de todas as manhãs. Creio que não dormi. Divaguei muito tempo olhando pro meu bonsai em cima do roupeiro. Ele lembra muito a mim:: um pedaço de natureza prezo a um mundo que não lhe pertence.



"Fui para os bosques viver de livre vontade,

Para sugar todo o tutano da vida…

Para aniquilar tudo o que não era vida,

E para, quando morrer, não descobrir que não vivi!"

(Thoreau)