sexta-feira, 18 de junho de 2010

José Saramago. Luto.




"O filho de José e de Maria nasceu como todos os filhos dos homens, sujo do sangue de sua mãe, viscoso das suas mucosidades e sofrendo em silêncio. Chorou porque o fizeram chorar, e chorará por esse mesmo e único motivo."

(O Evangelho Segundo Jesus Cristo)


"Se um dia tiveres um filho, ele morrerá porque tu nasceste, desse crime ninguém te absolverá, as mãos que fazem e tecem são as mesmas que desfazem e destecem, o certo gera o errado, o errado produz o certo, Fraca consolação para um aflito, Não há consolação amigo triste, o homem é um animal inconsolável.
Talvez José Anaiço, que foi o da sentença esteja na razão, talvez o homem seja esse animal que não pode, ou não sabe, ou não quer ser consolado, mas certos actos seus, sem outro sentido que parecerem que o não têm, sustentam a esperança de que o homem virá um dia a chorar no ombro do homem, provavelmente tarde demais, quando já não houver tempo para outra coisa."

(A Jangada de pedra)



"O silêncio ainda é o melhor dos aplausos".
(Ensaio sobre a cegueira)


José de Sousa Saramago- 1922- 2010.

sábado, 12 de junho de 2010

“O amor é quando a gente mora um no outro”




Cometi o erro de pensar que nas companhias de outros eu preencheria as lacunas da minha própria existência. Sentia tanta falta de mim que em vão procurava em outros os cacos que compunham o cristal que sou.
Em algum momento dessa trajetória, meio errante, meio torta, perdi um pouco de mim mesmo. E erroneamente julguei que uma terceira pessoa teria a capacidade de suprir os déficits de mim.
Precisava de alguém que me desse a mão, que me olhasse nos olhos, que me criticasse quando necessário, que respeitasse o meu silêncio, que me fizesse rir, mas que me fizesse chorar também e que risse e chorasse comigo, que pudéssemos ter longas conversas sobre tudo, sem que parecêssemos tolos ou sábios, que ficássemos quietinhos no meio da noite se olhando em silêncio e entendendo tudo.
Eu tenho total consciência das minhas lacunas. Meu namorado não supre elas. Ele faz muito mais: a cada dia que passa ele faz com que eu conheça e aprenda mais de mim, fazendo com que as lacunas se tornem imperceptíveis. Não preciso que me distraia delas, preciso que ande de mãos dadas em mim e comigo pra acertamos juntos as falhas do cristal. É aprendendo um com o outro que nosso relacionamento flui naturalmente, de maneira mais que perfeita, praticamente surreal. È a ajuda mútua pra achar a cura e não só aliviar a dor.
Por isso, nesse dia dos namorados, eu agradeço ao Tiago Justo da Silva por ser mais que meu namorado, meu confidente e meu amigo. Agradeço por ser meu companheiro de vida.
E que o Bonsai que tu me deu marque o início de nossa família.
Te amo.

quarta-feira, 2 de junho de 2010

Vomitar este tédio sobre a cidade.

Outro dia percebi que um pássaro próximo a minha janela quebrou o tédio sobre a cidade.
Naquela manhã acordei mais cedo do que o de costume, me vesti bem, tomei um bom café da manhã, peguei o mesmo ônibus de todos os dias e não reclamei da superlotação, vi os mendigos que dormem nas beiras de estrada, senti o cheiro fétido de esgotos a céu aberto, o congestionamento, as buzinas, as sirenes, a fumaça, mas manti a mesma expressão serena, os olhos vívidos de quem acordou se sentido bem.
Na madrugada fui acordada pelo mesmo pássaro de antes. Percebi que ele cantava cedo demais em comparação com os outros pássaros e que não era um som cadenciado, mas sim uns espécimes de gritos frenéticos. Ora, ele não passa de um pássaro da cidade, não tem mais hábitos de pássaro “normal”, agora tornou-se “civilizado” como outros animais que muito infelizmente sobrevivem em grandes cidades.
Naquele dia nem levantei da cama. Tampouco abri a janela. Passei cada minuto naquele ambiente de masmorra, ingeri sacos de comida industrializada, me entorpeci de programas inúteis na televisão, tive ânsia de vômito, palpitações no peito, chorei descontroladamente, depois ri como uma tola. Percebi que estava no ápice do alienado processo “civilizatório” das grandes cidades. Percebi que pela primeira vez em anos, estava me comportando como as outras pessoas se comportam.
Num ímpeto meio inconsciente, levantei da cama, abri a janela e pensei em gritar. Seria um grito guardado há anos na boca do estômago. Não seria um grito de dor, nem de ódio, mas um grito que afirmasse o meu pertencimento aquele local.
Com a janela aberta e vislumbrando a selva de pedras ao meu redor, acompanhada de barulhos diversos, não gritei.
Com um esboço de sorriso no rosto reafirmei, mais uma vez, que minha casa não é ali.